RELATOS DE UM PÓS-GUERRA

Sentia frio; não na pele, na alma. Não há cobertores para a alma nas prateleiras dos mercados. É algo que não se compra, concluiu. Querendo se aquecer, como fez durante a infância, tentava se esquecer do frio. Dizem que é psicológico… mas se mostrava mais real e substancial do que as pessoas, do que o próprio amor. Sentia frio. Um frio que nem os picos mais nevados conhecem. Um frio que nem os que não amam sentem. Estava frio. Era o que sentia. E incomodava a mente, penetrava o corpo, caminhava sob a pele, corroía por dentro, como um verme que se alimenta das vísceras e que dificilmente se escarra. Dolorosamente, vivia frio.
Era um verão. Como um desses que aparecem todo ano. Era mais inverno do que verão, e era verão. Especialistas afirmavam o verão mais quente dos últimos tempos, mas fazia frio. Estava frio. Sentia frio. Não chegava a fatigar o músculo para esquentá-lo, nem a rachar os lábios, não, era verão. Um verão quente. Sentia frio. Queria o calor da estação, queria o calor do momento, queria as cores de janeiro, de dezembro, queria sentir. Não podia, fazia frio. Não fazia, aliás, sentia.
Após olhares, percebeu que o frio afastava as pessoas. Nem, pois, o calor humano poderia aquecê-lo; inocentes e a distância, ofereciam-lhe aquecedores inúteis – a alma não melhora com um cobertor, pensou enquanto recusou com uma gratidão cansada. O frio persistia. Fazia frio. O frio se fazia. O frio fazia-lhe frio. O frio afastava-o do mundo. O frio afastava-o de si. Era um cavaleiro das neves de verão. Achava, inclusive, que não duraria até o inverno. Era muito frio. Sentia frio.
Fitava duas soluções: amigar-se logo ao frio e torná-lo parte de si, tornar-se frio, ou bradar resistência eterna até, enfim, esquentar-se. Agonizava; sufocava-o cada segundo de existência. Queria sentir o suor no pescoço como sentiam ao seu redor; queria desacorrentar-se de si. Sentia medo; e frio. O fluxo de veneno corria pelos músculos, veias e artérias; um veneno produzido, não por alquimistas, mas por ordens humanas. Relatos que navegam pela mente, pelo presente e fazem frio. Frios são feitos por ele. Frios foram feitos um dia. Sentia frio.
Queimava a pele o fogo do inverno da alma; não era frio de verdade, vinha de dentro, do vivido e visto e sentido. Não era inverno; não tinha neve; não tinham homens, nem batalha, nem guerra. Não era como fora. Mas ainda sentia frio.